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 INFOZONE » MA VIE MON RÊVE EM PORTUGUÊS

  Prólogo

 

Uma linda manhã no ultimo Inverno apareceu um manatim no canal mesmo atrás da nossa casa em Júpiter, na Florida. Eu fiquei lá durante horas, como se estivesse à espera de alguma coisa. Ou de alguém. Assim que entrei na água, ele começou a vir na minha direcção. Falei com ele e nadamos juntos por um tempo.
Isto não foi um grande feito. Muitas pessoas no sul da Florida divertem-se a nadar com manatins. Eles são simpáticos, grandes, animais muito afectuosos a que nós chamamos vacas do mar. As pessoas dizem que eles vêm da lenda das Sereias por causa do doce e inserto barulho que eles fazem.
Este acontecimento fez-me ter a noção do quanto eu mudei durante estes últimos meses. Quando trabalhava na minha carreira de cantora, tinha que tomar precauções, a ideia de entrar em agua gelada e fazer amizade com um animal desconhecido nunca me teria chegado.
Mas, naquela manhã eu não trabalhava à mais de três meses e já estava a fazer todos os géneros de coisas que antes tinham sido quase inimagináveis
, coisas que muitas vezes achei surpreendentes.
Enquanto nadava com a minha sereia, uma corrente de memórias estalaram na minha cabeça, claras e precisas imagens da minha infância, do verão, de felicidade.

Eu tinha oito, nove, dez anos de idade. Estava num pic-nic com os meus irmãos e irmãs nas Laurentides, no norte de Montreal. Havia quintas, cavalos que eu e as minhas irmãs montávamos. Eu vi tudo isto de novo, muito claro. Eu vi-me a subir às arvores, a nadar no rio, a andar nos bosques. E estava a dizer a quem me ouvia que um dia eu compraria um cavalo, assim que ganhasse o meu primeiro dinheiro como cantora.
E depois esqueci isto tudo, preocupada com outro sonho de vir a ser cantora, um sonho que deixou espaço para mais nada na minha vida. Alguns anos mais tarde, quando recebi o meu primeiro dinheiro os meus pensamentos já estavam noutro lugar. Em vez de um cavalo, eu comprei, para mim, um par de saltos altos.
Agora, vinte anos mais tarde isto estava tudo a saltar da minha memória. Aquele cavalo que eu nunca comprei e no qual nunca voltei a pensar, a luz do verão, a frescura e o cheiro dos rios e lagos das Laurentides, a fragrância da terra e do feno cortado. Mais uma vez eu vi o caminho que nos levava ao rio, a canoa virada na praia, o riso das minhas irmãs, as espessas arvores de onde os meus irmãos caíam, os seixos, a areia os arbustos de framboesa que arranhavam as nossas pernas, o estalar dos ramos queimados nas fogueiras que fazíamos durante as noites passadas na praia.
[3] E todos juntos a cantar pela noite dentro, olhando as estrelas cadentes e luzes do norte.
Quando sai do canal depois de dizer adeus à minha sereia, eu não falei nem tinha estado falar. A minha cabeça estava tão cheia de com aquelas memórias que eu não quis perder uma única gota. Eu queria manter estas imagens em mim tanto quanto eu pudesse, para revê-las uma por uma e talvez relembrar outras.
Eu acho que isto não foi nostalgia, mas antes um tipo de curiosidade à volta de um período muito distante da minha vida que eu pensei ter esquecido e, em nenhum caso pensei neles tão intensamente. Era como seu eu estivesse a ver e a ouvir a verdadeira vivência daquela pequena rapariga que eu tinha sido, sentindo-a muito perto de mim outra vez, tão perto que eu pude reconhecer os seus sonhos, os seus desejos, os seus planos. E eu senti-me uma daquelas pequenas bonecas que contêm uma série de outras pequenas bonecas, umas dentro das outras, com aquela pequena Celine dentro de mim.
Mas estas imagens começaram rapidamente a perder a cor e a clareza. Depois eu pensei, durante dias sobre a minha infância e todo o percurso que eu tinha feito. Sobre o que eu tinha sido e feito ou tentei fazer em 20 anos, começando com as minhas primeiras actuações e o primeiro par de saltos altos.
E continuava a perguntar-me o que eu queria e continuava a sonhar tanto com tudo isto, com tudo o que me aconteceu. Porquê, aos 20, 15, aos 12, mesmo aos 8 anos, eu pensava, e mesmo aos 5 e queria tanto ter sucesso, porque é que eu sonhava tanto em tornar-me uma cantora famosa que seria ouvida em todos os cantos do planeta.
Nem todas as pessoas são levadas por uma tão grande ambição. Muitos rapazes e raparigas jovens passam muito tempo a perguntar o que querem fazer. Alguns nunca encontram uma resposta. Mas eu sempre soube. Eu não reclamo nenhum credito por isto. Eu sou como aquele boneco Obélix, um carácter numa famosa e cómica fita francesa que caiu numa poção mágica quando era bebé. Assim que nasci, eu caí na musica, no mundo do “show business”. E dentro disto eu sinto-me como um peixe na água.
Eu tenho amado cada bocadinho desta vida neste período de paragem. Eu vivo os meus mais bonitos sonhos muito intensamente –uma rara sorte. Tenho estado completa emocionalmente, profissionalmente, artisticamente e sempre estarei. Eu amo e sou amada. Eu canto e isso é a minha felicidade. Eu agradeço por isto todos os dias.
E depois, eu conscientemente decidi deixar esta vida. Por um ano ou dois. Pela primeira vez em quase 20 anos, não há nada
na minha agenda, nenhum encontro, nenhum concerto a chegar, nenhuma entrevista, nenhuma sessão de gravação, nenhuma gala. De agora em diante eu posso viver a minha vida um dia de cada vez.

Há um ano atrás, tal liberdade ter-me-ia carregado de angustia.
Mas tantas coisas aconteceram no curso deste ano. Eu já não era a mesma pessoa, eu sabia.
[5] Eu já não tinha os mesmos medos, as mesmas apreensões. E estava confiante, feliz com a descoberta da minha nova liberdade e com o que me esperava.
Acredito que viver é mudar, descobrir o que é novo e encontrar surpresas em tudo, na musica, na nossa vida e no amor…
Por muito tempo, eu não pude pensar em toda esta felicidade na minha vida e carreira sem sentir uma espécie de medo e ansiedade, sem fazer a mim mesma 1001 questões para as quais eu não encontrava resposta.
Isto ia durar? O que farias, serias, onde irias quando já tivesses realizado os teus sonhos mais apaixonantes? Tinhas que ficar ali e só esperar ver as nuvens passar? Podias encontrar outros sonhos para realizar? Outras vidas para viver? Há vida depois do sonho, depois do “show business”? Fora do “show business”?
E o que iria eu fazer depois desta pausa? O que teria eu que dizer, que cantar? E estaria eu capaz de encontrar a audiência que deixei para trás na noite de 1 de Janeiro de 2000? Estaria eu preparada para me voltar a encontrar com eles? Acharia eu que nós ainda estamos na mesma onda?
Eu cantaria sempre. Isto era obvio para mim. Este período é apenas uma pausa. Mas eu não podia parar de pensar que eu não seria a mesma no fim disto.
Por mais de um ano, por imensas razões, nós “adiávamos” os dias, mês após mês. Cada vez mais eu percebia que estava cansada, mesmo que não me preocupasse com isso. Isto eram as causas de um estranho dilema. Cada vez mais eu queria parar, descansar, recarregar e estar sozinha com o homem da minha vida. Eu queria tirar proveito da minha carreira, da minha vida, dos meus amores e ao mesmo tempo fazer tal coisa assustava-me.

Pensei em tudo o que estava a deixar para trás - o palco, a multidão, a incrível vida excitante de viajar, noites passadas nos estúdios com os músicos, a vida de uma artista e viajar a volta do mundo.
A cada performance, assim que a contagem decrescente começava havia apertos no meu coração, assim que experimentava o contacto mágico com o público, quando realmente ligávamos e estávamos tão perto, tão unidos, a corrente entre nos corria perfeitamente.
Fazer uma audiência ficar em pé é uma experiência fantástica que nada neste mundo pode substituir. E eu penso que vou ter saudades destes momentos estupendos. No final de cada show, eu sempre digo ao publico: “eu vou leva-los comigo. Vocês estarão sempre no meu coração”.
Portanto eu saía com todas aquelas pessoas no meu coração. Tudo o que eu precisava fazer era fechar os olhos e sentir a presença deles, para os ouvir…ainda agora, nem mesmo uma memória feliz pode substituir a realidade; nunca é tão agitado, tão emocionante ou tão real. Todas as memórias, mesmo as mais fortes e estimadas, acabam inevitavelmente por perder clareza e cor.
Eu atravessei extraordinárias experiências ao vivo. Viajei pelo mundo, conheci pessoas que nunca vou esquecer. Eu fui sempre mimada, amada, aclamada.
Mas havia sempre medo do palco, pressão, todos os dias maiores audiências, maiores estádios.
[7] E tem sido aterrador. E tem sido bom, muito bom.
Eu tornei-me numa verdadeira stressada. Precisava da minha dose todos os dias. Sempre que parava entrava numa “depressão” e não me sentia bem comigo mesma. Os maratonistas que são impedidos de correr ficam mal. E dizem que ninguém fica mais deprimido que um ciclista que termina o “tour” de França, mesmo que ganhe.
Por isso, a expectativa de viver livre de stress, calada, com uma vida confortável parece-me stressante.
Acho que vou ter que lutar para descomprimir do stress e disciplina, para esquecer a minha voz, para ficar livre disto. Durante mais de metade da minha vida eu tenho sido uma escrava da minha voz, uma feliz e tolerante escrava que tem medo da ideia de viver em liberdade.
O que vai acontecer na minha cabeça e coração quando estiver privada desta doce escravidão, desta tensão, deste tremendo sentido de glorificação que se sente quando o público fica “selvagem”?
Para me tranquilizar, claro, eu preparei um horário detalhado para viver. Eu planeei o meu intervalo. Vi como tudo se ia passar, tal como fazia com os meus shows.
Mas não pude, especialmente nos primeiros meses, chegar a nenhum acordo.
Um dia jurei a mim mesma que não ia cantar uma nota durante todo o tempo em que eu parei a minha carreira. Depois, no dia seguinte disse a mim mesma que nunca seria capaz de resistir se alguém me oferecesse uma grande parte num filme ou uma linda musica para gravar ou uma aparição num grande show com artistas que eu admiro.
Ao fim, todas as especulações se tornaram erradas.
Eu disse a mim mesma “Nenhum treino vocal, menina, nem longos silêncios para descansar a tua voz. Já não é preciso. Acabou a disciplina, o treino. Vais jogar golfe todos os dias, e para manter a mente ocupada vais ter lições de espanhol e desenho.”
Até comprei lápis de cor, pastéis, carvão, aguarelas e papel de desenho.
“Também vais ter lições de piano. E vais ouvir tudo o que se fizer de novo na musica, bom ou mão, para ficares ligada ao show business””.
Eu comecei a fazer uma lista de álbuns que queria ouvir.
“E vais dormir até tarde, o dia todo se quiseres.”
Eu mal tinha começado a minha nova vida e já sabia que as coisas iam ser diferentes. E que não iam ter nada a ver com o que eu tinha imaginado.
Contrariamente ao que esperei tudo correu calmamente, sem tristeza ou dor. Eu entrei neste período de paragem como se fosse um óptimo banho quente.
E sabia que nada me ia aliciar a sair mesmo que me fosse oferecida a possibilidade de cantar na lua ou em Vénus, na frente de uma audiência de extraterrestres.

Para meu espanto e para surpresa de René eu comecei a acordar cedo…e bem disposta. No passado, ficar totalmente acordada teria levado horas. Quando acordava não falava com ninguém e não queria que ninguém falasse comigo. [9] Eu realmente detesto as manhãs. Sempre que possível, eu passo-as a dormir. Tomo sempre o pequeno almoço sozinha. E agora aqui estou, em licença, sem absolutamente nada para fazer, em pé ao amanhecer, ouvindo os pássaros a cantar ou a ver as minhas flores abrir ou a preparar sumo de laranja ou café para todo o pessoal da casa.

Três meses depois do inicio desta vida eu não estava a ouvir nada de musica -nem a minha nem de mais ninguém –e só dava uma olhada em revistas de moda. Eu acreditava que nunca seria capaz de ficar em silencio, e estava e estava agora a passar longas horas, ate mesmo dias, sem dizer uma palavra, só pelo prazer disso, pela paz, pela doçura. E não sentia saudades do palco ou do medo do palco.
Eu adiei as minhas lições de espanhol até à primavera, depois verão, depois Outono, depois para o próximo Inverno. Eu nunca desembrulhei os meus lápis de cor e os meus pasteis. Depois de duas ou três semanas em total inactividade, eu comecei a cantar outra vez, constantemente, em todos os sítios, no chuveiro, no campo de golfe, enquanto conduzia, na cozinha. E isto deu-me uma fantástica sensação, uma nova, inesperada alegria.
Até comecei a treinar a minha voz outra vez e a fazer os meus exercícios vocais outra regularmente. Eu fiz isto e assim não perdi aquilo que adquiri, mas também pelo simples prazer que vem do treino. E passava noites inteiras vendo televisão, algo que nunca tinha feito na minha vida. Com René, eu seguia do principio ao fim os jogos do National Hockey League. E eu amava.
Estou bem em ser feliz. A felicidade vem em ondas sempre inesperadas e inexplicáveis. Eu não estou a falar sobre o doce e superficial sentimento que vem com um álbum de platina ou uma boa critica, mas sobre a real felicidade que vem e vai sem avisar.
Nunca tive esta sensação tão perto da mão, tão reconfortante como senti no Inverno de 2000, durante os primeiros meses da minha pausa na carreira.
Eu tinha vivido os piores momentos da minha vida. E ainda assim, eu via algo bom, algo bonito e com sentido em todo o lado, mesmo nos momentos difíceis que tínhamos atravessado…

Ao principio, tal ideia teria sido impensável, quase monstruosa mas, bocadinho a bocadinho, comecei a aceitar. Hoje eu sei que há qualquer coisa boa em toda a desgraça. E agradeço pela desventura que nos aconteceu, porque isto transformou-nos.
René, o homem da minha vida, da minha vida inteira, estava seriamente doente. Juntos, passamos por uma prova muito difícil e aparecemos mais fortes, mais unidos, mais apaixonados que nunca. Contudo, eu sei que daqui para a frente, a ansiedade vai fazer parte das nossas vidas. Uma espécie de cuidado, sem duvida, desapareceu para sempre das nossas vidas. Mas ao mesmo tempo eu sabia que era impossível experiênciar-mesmo durante a mais difícil prova, mesmo no medo e na dor - óptimos momentos de felicidade.
Porque nós nos amamos.
[11] A nossa prova mudou-me mais do que todas as minhas experiências profissionais. Graças a isto, aprendi muito sobre mim, sobre o homem que amo, mesmo sobre a vida. Também sobre a necessidade que ele tem de mim. Pela primeira vez, ele deixou-se ir e confiou em mim, e chorou no meu ombro. E disse-me que não podia viver sem mim.
Eu também tive a extraordinária oportunidade de descobrir que há vida fora do “show business”. Claro que eu sabia isto -na teoria – mas aprendi isto a sério, no meu coração, através das minhas lágrimas, através da esperança e da espera.
Na verdade, quando me retirei da vida pública, já via as coisas diferentes.
Pessoas, a minha profissão. E todos os meus projectos, incluindo ter um filho, tomaram um novo rumo. A saúde de René tornou-se no que mais contava para mim.
Apesar de tudo o que vivemos, ou talvez por causa disso -eu nunca sei qual –nos redescobrimos uma espécie de confiança na vida, um apetite de viver que nos é oferecido, quer queiramos quer não, decidamos ou não.
Não desistimos da ideia de ter um filho. No ano passado, alguns dias antes de René ter o seu tratamento de quimioterapia, nos fomos a um banco de esperma. Isto não é, obviamente, a mais romântica experiência que um casal pode sonhar. Mas isto deu-nos a confiança que , acontecesse o que acontecesse, o nosso sonho mais querido era possível.
Mas eu recusei-me a acreditar que a nossa felicidade dependia apenas daquela criança.
Claro, eu prometi a mim mesma que ia começar todas as medidas necessárias assim que fosse possível. O meu ginecologista, Dr. Ronald Ackerman, explicou-nos por fim, os procedimentos da fertilização in-vitro e da inseminação intra-uterina. E eu decidi atravessar os primeiros degraus depois de alguns meses de descanso. Se, depois esta criança se tornasse parte da minha vida, tanto melhor. Se não, eu ia viver sem ele ou ela. Isto foi o que eu disse a mim mesma. Eu especialmente não queria culpar esta criança por ter nas suas mãos a minha felicidade, mesmo antes de nascer. Eu não queria sonhar, nem escrever nenhum cenário em particular. Eu queria tomar a vida como ela viesse, e não como eu a tinha sonhado.
No ultimo Inverno, nos aprendemos a aproveitar a vida como nunca. Eu também vi René mudar muito. Ele começou a tomar o seu tempo vendo o pôr do sol, golfinhos a nadar ou uma nuvem a passar. Ele também começou a aproveitar ao máximo os momentos que passava comigo, com os seus amigos, ou sozinho. Até o seu sorriso mudou, a sua expressão. Estava mais ciente dos outros de que alguma vez esteve, ciente da felicidade, especialmente. Ele encontrou migalhas disto em todo o lado….e ele varreu-as cuidadosamente. E ele próprio estava espantado.
Ao principio, eu não fazia nada durante dias; eu vivo sem um plano, sem maquilhagem, sem nada alem de calções e uma t-shirt, descalça. Eu não tinha que vigiar os meus visuais ou gastar energia a encontrar algo inteligente para dizer para agradar aos “media”.
E através de tudo isto eu descobri pequenos prazeres que eu nunca pensei que tivesse, antes. Eles são um sinal, eu acredito, de uma profunda mudança eu ainda não entendi completamente, e que eu não estou realmente a tentar compreender.
[13] Por exemplo, quando as pessoas me dão flores, eu nuca sei o que fazer com elas ou onde pô-las. Eu cheiro-as rapidamente, mal olho para elas. Hoje, eu posso passar horas fazendo e refazendo ramos, arranjos. Estou a aprender os seus nomes, os seus cheiros. Eu vejo-as crescerem nos meus canteiros, murchar e voltarem a crescer. Eu leio livros sobre elas. Eu faço perguntas a jardineiros e a floristas.

Ainda mais, todos os dias à hora da ceia eu perco muito tempo com a luz das velas em cada sala da casa e no pátio e nos terraços. Eu estou a aprender a criar atmosfera, como por uma mesa, receber convidados…eu…aquela que foi tantas vezes a convidada…possivelmente vezes de mais.
E ao fazer tudo isto, eu descobri aspectos no meu carácter que nunca tinha reparado ou nunca tive tempo de ver. Alguns agradam-me, outros não.

Por exemplo, eu aprendi que sou excessivamente preocupada com detalhes que são, muitas vezes insignificantes. Mesmo ao ponto de me enervar comigo mesma. Tudo tem que estar perfeito o tempo todo. Se eu notasse algo errado - uma mancha de água numa parede, uma prega errada num tecido, uma vela que não esta alinhada –eu não paro de pensar nisso, eu fico obcecada, eu levanto-me para limpar a mancha, para arranjar a prega e para alinhar a vela…se alguém a minha volta não esta a fazer bem o seu trabalho eu peço-lhe para começar de novo, ou se eu não posso, eu vou atrás dele e tento fazer melhor.

Outros dias, eu tento libertar-me da minha tendência para corrigir as coisas. Eu vou conseguir, devagar, mas de certeza. Eu nunca fui despreocupada, e nunca gostei de desordem, mas acredito que posso ser mais relaxada, deixar algumas folhas mortas cair no pátio e na piscina sem pressa de as apanhar.
Todo o rigor e pormenor com o qual eu pratiquei o meu cantar por quase 20 anos permaneceu dentro de mim. E eu transferi-o para aquilo que agora me preocupa mais - a saúde de René, primeiro a antes que tudo - mas também os 1001 detalhes da vida diária - o manter esta casa de Júpiter que eu tanto amo, os enfeites, as pinturas, a mobília com que a decorei. Eu também me foco na casa que estamos a construir em Quebéc. Eu quero ver tudo, perceber tudo, participar em todas as decisões, ver os planos, o sitio de construção e o design.
Eu admito que sou exagerada com os detalhes. Eu sempre fui, mesmo em pequenina. Seu eu tivesse a mais pequena mancha da ultima lágrima no meu vestido ou pijama eu queria que a minha mãe ou irmãs me mudassem. Eu preciso disto. Na minha casa, como nos meus pensamentos, eu quero que tudo esteja impecável, limpo, preciso.
Isto é, sem duvida, a razão porque as nossas reconciliações não duram mais do que as nossas brigas de namorados. Quando discutimos, eu tendo a amuar um pouco, mas depois eu quero que René me descreva, em detalhe, o que ele sentiu. Eu quero saber se ele estava zangado ou triste, quanto e à quanto tempo. E eu não descanso enquanto a ultima nuvem persistir entre nós, enquanto continuar a mínima confusão ou fricção nas nossas emoções.
[15] Eu sou assim com toda a gente que amo e com quem trabalho. E comigo. Eu gosto de ser orgulhosa de mim mesma. E regularmente examino a minha consciência, enquanto, no passado eu nem me interessava. Olhar para trás nunca foi o meu forte.
Eu tento pegar na vida a medida que ela vem. Mas não me proíbo de fazer planos. Há tantas coisas, coisas que podem parecer simples e fáceis para muitas pessoas mas que eu nunca conheci ou fiz antes porque eu estava no “show business”. Um passeio numa rua cheia; uma quente noite de primavera com velhas amigas; misturar-me com a multidão sem ser reconhecida; ou um jantar em casa, sozinha com o homem que eu amo; ir as compras sozinha; ter uma bolsa cheia de coisas minhas, cartão de credito, chaves. E não saber o que o amanha me vai trazer, e o que vou fazer ou onde vou estar em 3 semanas, em 6 meses.
Também estou a planear em detalhe a agradável viagem que eu quero fazer com René pela Europa, visitar as cidades pelas quais passamos muito rapidamente, de tal maneira que não tivemos tempo para as conhecer e amar!
Eu quero visitar os museus mais bonitos do mundo e os mais famosos castelos, com guias que me vão ensinar tudo sobre os tesouros do mundo.
Eu a fazer planos, itinerários. Penso no vestido que vou vestir e o que vou querer que René vista quando formos passear, em alguma maravilhosa noite suave, talvez em Veneza, mão na mão, sem guarda costas ou fotografo, incógnitos. Nos vamos viajar muito devagar desfrutando um do outro, desfrutando a vida, sem querer nada em troca. Nos vamos ficar satisfeitos e felizes com aquilo que a vida nos trouxer.
Mais uma vez a vida trouxe-nos mais do que nos tínhamos imaginado. Algo incrível aconteceu, algo que pode, muito bem ser o mais importante acontecimento na nossa vida.
Em Maio, como planeado, eu encontrei-me em New York com o Dr. Rosenwaks, um especialista em fertilidade, de renome. Ele sugeriu que tentássemos um novo método de fertilidade. A ideia era isolar um espermatozóide e injecta-lo num ovo com uma agulha extremamente pequena. O doutor, depois procederia à colocação do embrião no meu útero.
Nos já tínhamos milhões de espermatozóides num congelador. Agora a nossa preocupação era eu produzir tantos óvulos quanto pudesse.

 “Este método requer muita paciência e coragem” disse-me o doutor como se estivesse para me dar um longo discurso sobre os tempos difíceis que brevemente eu iria passar. Eu interrompi-o imediatamente “a minha mãe já tinha tido 13 filhos quando ficou grávida de mim”, eu disse-lhe “ e eu conheço-a o suficiente para lhe dizer, com certeza que ela teve toda a coragem e paciência que precisava.”
Eu não pretendo ser mais corajosa que outra mulher mas eu estava em boa forma e tinha todo o tempo que precisava. Mais, eu podia dar uma chance a esta experiência sabendo que eu preenchia todos os requisitos. Eu tinha tudo que precisava, mentalmente e fisicamente.
[17] “Eu tenho que lhe dizer que é impossível garantir o sucesso deste método”, disse o doutor. “O sucesso avaliado para a fertilização in-vitro, por qualquer outro método, continua apenas nos 25%”
“Tanto quanto eu sei, doutor, mesmo o velha maneira natural nunca é 100% certa”.
“Exactamente”, ele disse, “mas o que lhe estou a oferecer é um bocadinho menos agradável”.
Isso é verdade”
Para começar este processo, eu tinha que preparar o meu corpo injectando-me a mim mesma todos os dias com um “antiestrogenio” que iria regular e controlar a minha ovulação.
Eu voltei a New York, onde comecei a receber massivas injecções de hormonas que iam criar um super ovulação. Quase todos os dias eu tinha que fazer testes de sangue e ecografias para que os médicos pudessem ajustar os meus níveis. Por causa dessas hormonas a minha barriga inchou como um pequeno balão. Isto não era certamente muito confortável, mas fez René e eu rir e sonhar. Felizmente, eu não tive nenhumas tonturas e flashes de calor que muitas mulheres têm durante este tratamento.
Quando o meu óvulo atingiu maturidade, os médicos tiraram-no de mim e puseram-no num tubo de teste. Depois eles iam pô-lo em contacto com os espermatozóides. Isto aconteceu no dia 25 de Maio. Três dias mais tarde, 3 pequenos óvulos estavam de volta para dentro de mim. Com este método, eu podia possivelemente ter tido gémeos ou trigémeos. Mas isso também podia ser problemático. Por mais de um mês, até meios de Julho, eu injectei-me diariamente com progesterona, uma hormona que assegura a continuidade da minha gravidez.
Todos estes procedimentos não tinham nada a ver com poesia. Era tudo muito técnico e frio. Nada a ver com a beleza do acto chamado amor.
Mas René estava sempre do meu lado, fascinado, carinhoso, e muito doce. Nos ultrapassamos todos os passos juntos. Isto tornou-se no nosso sonho mais querido. Nos falávamos todo o tempo os dois e com amigos. E com o publico também. Nos nunca escondemos os nossos problemas de fertilidade. E não íamos manter esta experiência secreta. Nem os resultados –o que quer que eles fossem.
Eu tive que passar alguns dias sem me mexer para que os pequenos óvulos ficassem juntos. Eu decidi seguir todas as regras muito cuidadosamente. Eu tinha dito aos médicos: “eu quero por todas as oportunidades do meu lado. Mesmo que seja difícil, mesmo que seja doloroso. Se vocês quiserem eu posso parar de me mexer durante os nove meses.
Eles não pediam tanto. Mas avisaram-me mais de uma vez que eu tinha que ser muito cuidadosa, especialmente durante o primeiro mês.
Na manha de 8 de Junho, Dr. Ronald Ackerman entrou na minha casa de Júpiter. Ele tinha lá ido no dia anterior, tinha-me examinado, e levado uma amostra de sangue. Ele tinha saído dizendo que ainda ia demorar dois ou três dias antes de ele saber se eu estava grávida ou não.
Ele tinha acabado de chegar quando Alain, o marido da minha irmã Linda, me tinha vindo dizer que o Dr. Rosenwaks estava ao telefone. Eu estava também a falar com ele todos os dias. Esta manha, estranhamente ele não me questionou sobre a minha saúde nem pediu para falar com o Dr. Ackerman como ele sempre fazia.
[19] Ele simplesmente perguntou o que eu estava a fazer.
“almoçando,” eu respondi.
“O que?”
“Tostas, paté, chá”
“E René?”
“Eu penso que esta no escritório”
“E você?”
“Na cozinha com Dr. Ackerman.”
“É melhor chamar René”
“Ele pode falar consigo no escritório.”
Ele estava para vir para a Florida e pensei que provavelmente queria organizar um jogo de golfe com René ou alguma coisa assim.
Mas ele hesitou uns segundos e depois disse: “ Eu quero falar com vocês os dois juntos. Quero que estejam na mesma sala.”
Eu chamei René pelo intercomunicador. Eu tive dificuldade em não parecer nervosa e excitada. Eu já, finalmente tinha percebido o que estava a acontecer. Eu sabia que o doutor tinha grandes, grandes notícias para nós. E Dr. Ackerman pode ver que eu sabia. Eu podia vê-lo tentando evitar os meus olhos. Era obvio que ele queria rir.
Quando René chegou à cozinha, eu estava a tentar parecer muito calma. Ele também não tinha nenhuma pista. Ele não sabia quem estava ao telefone.
Linda pousou o telefone e todos pudemos ouvir o Dr. Rosenwaks a dizer: “Está ai, René?”
“Sim!”
“Está aí Ronald?”
“Okay, vamos.”
E quando estávamos todos juntos, Zev e Ronald disseram-nos “Parabéns, namorados!”
Eu vi imediatamente os meus olhos cheios de lágrimas. Ele veio perto de mim e tomou-me nos seus braços.
“Está grávida, Celine” continuavam a dizer Zev e Ronald.
“Parabéns para vocês os dois,” disse René.

 

Mesmo este sonho, que eu praticamente me proibi de ter por parecer tão frágil, ia agora ser realizado. Eu ia ter um bebé com o homem que eu amo.
Eu estava nos braços de René e ele estava a rir por entre as lágrimas. Por algum tempo nós continuamos abraçados no meio da cozinha.
Ambos sabíamos que não podíamos esconder a nossa grande alegria por muito tempo. O segredo era grande e lindo demais para mantermos só para nós.
Nos passamos o resto do dia ao telefone. Telefonamos aos meus pais, para todos os meus irmãos e irmãs, filhos de René, e para os nossos amigos em Montreal, New York, Paris, Los Angeles, para lhes dar as boas noticias.
Mas eles também não puderam manter o segredo. À noite os escritórios dos nossos publicitários em Montreal e Los Angeles estavam cheios de repórteres, e na manhã seguinte tinha que haver uma conferência de imprensa anunciando a minha gravidez.
[21] Em qualquer caso, a nossa felicidade tinha que ser conhecida. Por vinte anos nos partilhamos uma espécie de intimidade com o grande público. Eu quero que eles partilhem a nossa felicidade tal como partilharam o nosso sofrimento.
Eu acredito que nunca devemos esconder a nossa felicidade. Ela ilumina e alegra o mundo. Mantê-la só para nós, é perde-la.
Nesse dia eu senti uma grande força e paz tomando conta de nós. Definitivamente, isto veio de algum lado. Mas eu sabia que René era quem tinha atraído esta força e felicidade para nós.
Quando ficou doente, ele teve que lutar. Não pôde desistir e deixar a nossa felicidade morrer. Em vez disso ele escolheu lutar com toda a força. Ele fê-lo por causa do seu amor à vida, pelo seu amor por mim e pelos seus filhos e amigos.
E agora a vida que ele tinha tão valentemente defendido estava a lutar e a crescer dentro de mim. Isto seria a prova que precisávamos para acreditar na felicidade
, a prova que o amor existe com tanta intensidade e tanto tempo quanto acreditares.

Duas semanas mais tarde vimos o coração do nosso filho bater, um pequeno e rápido som. “142 batimentos por minutos. É muito bom,” disse um dos médicos.
Depois ele fez um pequeno calculo e anunciou que eu daria a luz em 14 de Fevereiro de 2001.
Mais tarde, em Agosto , depois de três meses de gravidez, nós ouvimos o seu pequeno coração bater. A 162 batimentos por minuto, um forte pulso. Gravamos isto e a partir daí ouvimos todos os dias antes de dormir.
Nós sabíamos que isto ia continuar frágil, que precisávamos de paciência, paixão, alegria, força e também muita sorte.
Mas também sabíamos que independentemente do que acontecesse, a vida já tinha triunfado.

 

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