INFOZONE
Entrevistas
Entrevista
traduzida por
Mónica Medeiros
Pode fazer o download do vídeo da entrevista na página das
entrevistas
|
Entrevista para o canal francês TV5
Gravada no Mónaco em Julho de 2008 - Transmitida em Setembro
Entrevista intima entre Celine Dion e Denise Bombardier
Céline Dion, ouvimos por vezes que
você é muito educada. Você é uma moça gentil, você continuou
assim, você sabe. Como você fez, no fundo, para habitar a
pessoa que você sempre foi? Porque se você tivesse sido
diferente você não teria chegado aonde você chegou. Você
terminou a parte europeia da tour mundial, agora vai fazer
toda a América do Norte.
Celine Dion:
Sim. Espero que você venha com a gente.
Eu vou tentar estar.
Celine Dion:
Espero que sim!
Mas como foi? Foi progressivamente?
Celine Dion:
Honestamente, eu nem tive tempo para pensar o que queria
fazer na vida. Podemos dizer que foi Deus, podemos dizer que
foi o céu, podemos dizer que foram as estrelas, podemos
dizer que foi a sorte, podemos dizer que foram as cartas.
Podemos dizer muitas coisas... o destino. Muitas vezes as
pessoas nas entrevistas me perguntam: "Quando foi, Celine,
que você se apercebeu que queria ser cantora?" Eu nunca tive
tempo de pensar nisso, eu nem tive tempo de desejar isso. Eu
fui banhada na água, eu fui abençoada por tudo o que me
rodeava, por tudo o que me continua a rodear. E,
honestamente, isso me salvou a vida. Isso me salvou a vida
porque eu não tive tempo de pensar nisso, de reflectir.
Verdadeiramente, deixe-me dizer que eu comecei jovem, muito
jovem, mas sempre pertenci a mim mesma.
Mesmo quando você tinha 13, 14
anos?
Celine Dion:
Mesmo quando eu tinha 13, 14, 15 anos. Mesmo quando eu tinha
5 anos e cantava em cima da mesa da cozinha para o meu
primeiro público que era os meus irmãos e as minhas irmãs.
Eu dava o melhor de mim mesma.
Você pertencia a você mesma mas,
durante muito tempo, você foi ...
Celine Dion:
Sim, é verdade. Eu usei palavras emprestadas, escutei muito
os outros. Eu não estudei e isso chateia um pouco. Diria
mesmo que me chateia muito. Porque, sem querer ser
pretensiosa, acho que sou uma mulher muito inteligente e
trabalhei a vida inteira com pessoas muito inteligentes. Mas
eu nunca tive todo o material necessário para poder me
defender. Eu sempre tive medo das perguntas.
Então você estava sempre na
defensiva?
Celine Dion:
Não na defensiva. Mas quando eu tinha 15 anos e subia no
palco eu não sabia o que falar ao meu público porque eu não
estava mais na mesa da cozinha. Os meus irmãos e as minhas
irmãs me sopravam palavras e agora o meu segundo público não
me soprava nada. Eles esperavam coisas de mim. Então, quando
eu dizia "Boa noite, senhoras e senhores, é um prazer estar
com vocês esta noite" era tudo decorado. René e companhia me
escreviam textos que eu aprendia decorando. O meu coração
batia sozinho, eu era franca com as palavras que eu falava,
com as canções que eu cantava, com cada movimento que eu
fazia. Mas as palavras tinham sido escritas para mim.
Aí você habitava o espaço das
palavras.
Celine Dion:
Digamos que agora eu posso me permitir viver entre os versos
das minhas canções.
Na realidade das coisas, com a
celebridade que você é, você foi testada pelo mundo inteiro.
Você não sabia como ia ser acolhida pelo mundo. Você poderia
esperar mas não sabia. Você não pode ser como todo o mundo.
Você não pode circular. Você não tem liberdade física de
circular, de passear nas ruas.
Celine Dion:
Eu posso me permitir fazer tudo!
Explique...
Celine Dion:
Vou tentar. Eu posso me permitir fazer tudo. Eu é que decido
se tenho vontade de sair da minha casa e deixar as pessoas
tirar fotos de mim sem a minha permissão, me dirigir a
palavra, de se atirar para cima de mim, de se jogar em cima
do meu carro, tirar fotos de René-Charles. Mesmo quando a
gente aluga um grande quarto de hotel com uma grande
varanda, que custa muito caro, para ter um momento privado
ao sol, eu me apercebo que mesmo tendo esse dinheiro todo...
o sol pertence a todas as pessoas. E mesmo nós, não podemos
ter essa liberdade de estarmos tranquilos.
Eu tenho duas escolhas. Eu não quero que a minha profissão
ganhe de mim. Eu escolhi ter essa profissão...
Você não permite que a sua
profissão invada a sua vida.
Celine Dion:
Eu sou o meu pior inimigo. E não é a cantora que vai ganhar.
Céline é que vai ganhar. Por isso, quando eu coloco o nariz
fora da porta é porque eu digo a mim mesma: eu vou me deixar
reconhecer, eu não vou esconder o meu filho, não me vou
transformar em outra mãe para ele, não o vou impedir de ver
o sol, eu vou acompanhar ele e vou fazer ele entender que os
seus pais, René e eu, somos conhecidos, e que ele é um
menino muito privilegiado porque o amamos muito e é possível
que ele apareça nos jornais. Se não tenho vontade de
aparecer eu fico em casa. Mas, Madame Bombardier, tenho que
dizer que eu não vou deixar perder a minha vida por causa da
música.
Mas temos a impressão que você tem
uma grande vontade de voltar a se apropriar de si mesma. Mas
é porque você teve sucesso. Se você não tivesse tido sucesso
a sua confiança não seria tão grande.
Celine Dion:
Eu acho que isso veio com a maturidade. Eu sempre quis me
afastar do sucesso. Eu estou consciente.
Explique isso...
Celine Dion:
Eu estou consciente da minha popularidade, do sucesso, dos
números... poderíamos ir muito longe nesse assunto. Eu tenho
consciência. Já falei que acho que sou uma mulher
inteligente. Eu tenho consciência disso. Mas eu me afasto
muito porque eu não quero que isso me controle. A riqueza, o
jet-set, os aviões privados, as limousines, os
guarda-costas, a segurança, tudo o que é "não é normal", eu
não quero que isso me afecte. Eu não quero que isso afecte a
vida da minha família, especialmente do meu filho.
Um dia escutei você falando aos
jornalistas, acho que foi em Londres, você falou "Quando eu
pego um taxi". Você falou isso espontaneamente. Mas, na
verdade, faz 20 ou 25 anos que você não pega um taxi. E eu
disse a mim mesma que o jeito que você fala... é como se
você acreditasse mesmo que viaja de taxi, como se você
vivesse uma vida normal. Foi extraordinário você dizer uma
coisa assim. Você não queria mentir, de forma alguma!
Celine Dion:
De forma alguma...
É como se você acreditasse que pega
taxis.
Celine Dion:
Eu não faço muitas perguntas a mim mesma. Deve ser porque as
minhas respostas às minhas perguntas me assustam. Eu acho
que o meu maior sucesso é... e quando falo de sucesso falo
do sucesso da minha cabeça e do meu coração que ficaram no
lugar certo, a cabeça ficou bem assente sobre os meus ombros
e vejo claramente as coisas... eu me afastei das coisas que
eu faço. Eu não faço parte da profissão que eu tenho. Quando
me entrego, de corpo e alma, é por paixão, por amor, sempre.
Quando você falou de se entregar de
corpo e alma... quando a gente vê você no palco diante de
35000, 40000 pessoas, quando a gente vê o fervor na sala,
essa adrenalina, essa força, esse poder da sua relação com o
público, tem horas que é tão excessivo que assusta! Isso
assusta você?
Celine Dion:
O que me assusta não é o momento em que acontece. Em certos
momentos, durante o show, quando eu faço gestos, olhares ou
emoções intensas, eu não me assusto mas fico surpresa. Eu
estou no controle e eu digo a mim mesma: "Céline, espero que
você não vá ficar nesse estado essa noite porque isso é como
uma droga, essa adrenalina é tão forte, não passe a viver
dela. Aproveite agora."
Quando eu entro no carro, Madame Bombardier, tenho que dizer
que não é bonito de se ver. Eu não me vejo no espelho
retrovisor do carro mas eu me sinto. Tenho olhos sobre mim
mesma que me espiam. Eu sinto os meus olhos dilatados, o meu
coração bate depressa , a minha pulsação não está normal.
Isso é o poder...
Celine Dion:
Eu tenho medo de não voltar a mim mesma. Mas, ao mesmo
tempo, eu tenho que confiar em mim mesma. Demora uns minutos
mas eu volto
Nesse mundo, nesse mundo só de
você, ninguém pode te ajudar.
Celine Dion:
Infelizmente, acho que não. Na semana passada, e eu ainda
tenho remorsos, quase machuquei o meu marido. Fiquei triste
comigo. Sempre tem algum problema no show. Há problemas
mecânicos no show, o microfone que nem sempre funciona
perfeitamente, o sapato escorrega um pouco, vocalmente nem
sempre consigo fazer o que eu quero. Então, naquela noite, a
gente tinha que sair muito depressa do estádio para evitar a
confusão, para evitar que as pessoas se joguem em cima do
meu carro. Eu não quero que as pessoas se machuquem por
minha causa. Um dia um fã fico preso em cima do carro e
quebrou uma perna e eu tive muito medo!
Céline, René Angélil foi o homem que permitiu que você
conquistasse o mundo e foi ele que teve esse sonho do mundo
inteiro, não foi você, e ele levou você até lá. Ele foi o
seu mentor, foi uma imagem de pai, é o pai do seu filho. É o
único homem que você amou.
Celine Dion:
Sim. E tenho muito orgulho disso.
O que você quer dizer quando diz
que tem orgulho?
Celine Dion:
Eu tenho orgulho porque tenha a impressão que é um
privilégio. É um privilégio sentir esse amor no fundo de mim
mesma e esse sentimento que vive dentro de mim nunca me
traiu. Ele foi verdadeiro para mim. Foi preciso eu convencer
a minha mãe, que queria matar o meu marido.
Quando ela descobriu que você
estava apaixonada por ele.
Celine Dion:
E eu a compreendo. Eu teria tido o mesmo sentimento. Eu
tinha esse amor dentro de mim e estou feliz porque hoje,
depois de tantos anos, eu sei que não me enganei.
Por você falar disso e por você dar ao
público, porque as pessoas não se importam apenas com o que
os artistas cantam mas também como eles vivem, você abriu a
porta. Você abriu a porta e é impossível acreditar que tudo
o que você fala é toda a sua intimidade. Dá a impressão que
a sua intimidade está atrás da tela onde você projecta a sua
realidade. Você não vive sem intimidade, seria impossível.
Celine Dion:
Eu nunca pensei nessa pergunta mas é possível que exista
outra intimidade.
A sua vida íntima com o seu marido,
a gente não conhece. A gente sabe o que você conta, o resto
pertence a você.
Celine Dion:
Espero bem. Tenho que contar uma história... Um dia, uma
jornalista americana me ligou, há uns 12, 15 anos, por aí.
Ela queria uma entrevista e eu tinha uma hora, eu estava
indo para o aeroporto, estava em Nova Iorque. Começou a
entrevista, ela me perguntou coisas que eu já respondi
muitas vezes, do norte, do sul, do este e do oeste. Eu não
as posso mudar, é a minha história é a mesma. Mas eu tentei
responder bem. Ela me ligou de novo uns dias depois e disse
que o seu editor precisava de mais coisas, alguma coisa de
diferente e tal... Eu tinha mais 15 minutos, sem problema.
Quatro ou cinco dias depois ela pede para ligar de novo se
precisar alguma coisa e eu disse: "Vejamos, você já me
perguntou 4 vezes tudo da minha vida. Mas se você acha que
ainda tem uma pergunta, não tem problema, liga para mim."
Uma semana depois ela me liga falando que tem um problema.
Eu disse: "Eu já tenho problemas suficientes para mim mesma,
não tenho que cuidar dos seus mas me diga o que posso fazer
para ajudar." Ela disse: "O meu editor não gostou da
entrevista porque não está suficientemente cru".
E
eu disse: "Explique isso, por favor." Ela me disse: "Você já
brigou com o seu marido? Você já bateu em alguém? Você
fechou a porta para alguém?" Eu a mandei parar e disse:
"Desculpa aí! A história que eu te contei há uma semana é a
minha história. Não vou me inventar de novo. Se você quer
entrevistar outra pessoa, faça o favor. Eu não vou mudar a
minha vida pelo seu editor. Se a minha vida não é o que te
interessa, porque não vou vender jornais por não fazer
escândalos todas as noites, porque não ponho drogas no meu
nariz, porque não vou em nightclub, porque não tenho
amantes... ". Isso os irrita. Acham que deve ter alguma
coisa por detrás. Eles querem descobrir os podres. Não é
normal ter os pés tão assentes na terra, ser tão feliz.
Isso incomoda muita gente. As
pessoas se sentem melhor quando as pessoas são infelizes. É
mais tranquilizante.
Celine Dion:
É triste que seja assim. É triste que a felicidade das
pessoas incomoda as pessoas. Quando a gente assiste TV,
quando a gente lê a primeira página do jornal. É raro ver
coisas positivas, coisas normais, ver que alguém salvou a
vida de alguém. É sempre notícias de sangue, de morte,
quanto sangue correu. A infelicidade sempre existiu e sempre
vai existir, infelizmente.
Eu decidi, sem mesmo decidir verdadeiramente, ser um livro
aberto, de contar, de dizer a minha vida, para me ajudar a
mim mesma a viver bem. E também para ajudar os outros, ao
dizer: eu também tenho altos e baixos, eu também tenho
confusões, na minha família também já existiu cancro, também
na minha família há dificuldades em ter filhos, como vocês.
Você gosta da sua voz?
Celine Dion:
(risos) Essa é a pior pergunta que me podem fazer. Eu acho
que, com o instrumento que tenho, eu faço coisas que,
normalmente, eu nunca poderia fazer. Eu vou muitas vezes aos
médicos ver as minhas cordas vocais e as amígdalas com
câmaras, etc... E todas as vezes os médicos falam: "O
mecanismo que você tem não está à altura do que você produz.
O jeito que você é composta interiormente não permitiria
você cantar do jeito que canta." E eu respondo sempre: "Mas
eu não canto com as minhas cordas vocais, eu canto com o
coração." Eu penso que, honestamente, há pessoas que têm um
mecanismo, uma força extraordinária, cordas vocais
excepcionais mas não passa emoção. E eu não acho que tenho
um instrumento excepcional nem um mecanismo formidável mas
fiz coisas que não são normais com a minha voz.
É preciso querer muito. É preciso
que exista uma raiva...
Celine Dion:
É preciso querer muito, é preciso ser teimosa, é preciso
querer ganhar, é preciso querer se ultrapassar a si mesma. É
preciso querer, absolutamente, querer ser o melhor de si
mesma. Eu nunca estive e nunca vou estar em competição com
outras pessoas. Muitas vezes os jovens na indústria musical
querem ficar no primeiro lugar, querem cantar mais alto do
que os outros, querem segurar as notas mais tempo. Perguntam
quantas oitavas. Que se dane a quantidade de oitavas! Não é
a quantidade, é a qualidade. Eu é que não inventei isso, é
assim mesmo. Eu faço as coisas porque eu quero ser a melhor
de mim mesma. Eu quando faço uma coisa digo: eu não sou a
melhor do mundo, sou a melhor de mim mesma. Mesmo que as
coisas dão dêem certo, eu não me arrependo.
Você já disse a você mesmo, nos
dias de cansaço, porque nem tudo são rosas, porquê eu sou
tão impiedosa comigo mesma? Você tá correndo atrás de quê
agora?
Celine Dion:
Eu acho que agora não estou correndo atrás de nada.
Mas você está fazendo uma turnê
pelo mundo.
Celine Dion:
Eu estou tentando gerir o meu tempo sem correr mas
rapidamente porque as pessoas à minha volta, a minha mãe, o
meu marido, já têm alguma idade. Eu quero que a minha mãe
viva. Eu quis que ela visse que o meu amor por René era de
verdade. Eu quis que ela estivesse no dia do meu casamento.
Eu quis que ela visse o meu filho. Eu quis que ela visse a
minha carreira no seu momento alto. Eu quero que a minha mãe
me veja como mulher madura capaz de tomar conta da minha
família.
No Natal passado eu disse à minha mãe: "Maman, não sei mais
o que te oferecer mas eu quero que você saiba uma coisa: eu
quero que na hora de partir você esteja em paz. Eu quero que
você me escute, eu quero que você saiba que eu vou sempre
tomar conta dos seus filhos."
Agora, com a idade que a sua mãe
tem, você começa a inverter os papeis e é como mãe dela.
Celine Dion:
Não sei se estou sendo a mãe dela mas eu me ponho no lugar
da minha mãe, sendo eu também mãe e sabendo agora o que é o
amor, o verdadeiro amor, a vida, a maturidade, a compreensão
das coisas. Esta maturidade é extraordinária. Eu amo o meu
filho tanto quanto a minha mãe ama os seus 14. A minha mãe
guardou o seu coração de criança, mesmo com a idade. Não
temos medo de morrer mas não queremos deixar quem amamos
para trás, contudo não os podemos levar com a gente. Eu
queria dizer à minha mãe: Eu te dou o dinheiro que você
quiser, eu te dou uma coisa, eu te compro jóias, férias,
roupas... não sei mais o que te comprar. Maman, em nome de
toda a família, eu te dou o lar da nossa infância. Vamos
recriá-la, todos juntos, como ela era quando a vivemos,
vamos voltar à fonte da felicidade." Sabe, Madame Bombardier,
é quando a gente se pode oferecer de tudo, que a gente
procura a simplicidade das coisas verdadeiras. E eu estou
feliz por poder me aperceber que eu amo as coisas bonitas
mas as coisas verdadeiras não são eternas.
Te chateia, aborrece, irrita,
incomoda que tanta gente quer você?
Celine Dion:
(sorriso) Não. Eu gosto muito que gostem de mim. Gosto que
me queiram. Tenho medo de machucar alguém quando as pessoas
se jogam no carro. Mas gosto que as pessoas esperem por mim
na porta do hotel. Eu gosto disso. Eu gosto disso porque o
artista vive para sempre. Isso me faz feliz, eu gosto das
luzes, eu gosto daquele calor.
Há honras que você nunca imaginou
receber um dia. A Legião de Honra, que você já recebeu.
Você, que não estudou por muito tempo, nem estudou
direito...
Celine Dion:
Eu nem terminei o meu "Secondaire 2".
Você vai receber um doutorado
honorário da Universidade de Laval.
Celine Dion:
Eu fico muito intimidada. A primeira coisa que eu penso é:
será que eu devia aceitar? Mas, honestamente, não se recusa
um presente, um convite, uma flor. Espero que as pessoas que
ousam oferecer tantas honras compreendam o que estão
fazendo.
Mas você compreende. Você é uma
mulher tão inteligente, como você mesma diz.
Celine Dion:
Espero que não pareça pretensioso da minha parte.
Não, de jeito nenhum. Mas você sabe
muito bem que estas honras correspondem ao que você se
tornou. não apenas como cantora mas com o que você se
afirmou também como mulher. E como cantora... Você já pensou
que é a única cantora de língua francesa que já cantou em
francês por todo o planeta? Você canta em todos os shows em
todos os países uma canção em francês e você já viu como é
acolhida. Por isso você compreende que é a cantora de língua
francesa planetária! Você é uma cantora planetária de todo o
jeito, ainda mais em francês!
Celine Dion:
Eu não penso nas coisas, eu confio nas pessoas em minha
volta. Eu não questiono a vida, eu a vivo.
A Legião de Honra, aos olhos da sua
mãe ...
Celine Dion:
Acima de tudo! A Legião de Honra. Espero que o Sr. Sarkozy e
as pessoas que nos escutam não vão ficar chocadas mas eu
apreciei muito mais essa honra pela minha mãe, pela minha
família, pelo meu filho e pelo meu marido, muito mais do que
por mim mesma. Ganhou toda a importância quando eu os vi, na
minha frente, quando eu tive a honra de poder responder ao
presidente e de os ter perto de mim, dizendo: "Sr.
Presidente, o meu pai teria muito orgulho de apertar a sua
mão."
Há um tema no qual você não se
envolve desde há muito tempo, que é a política, para onde
muita gente queria levar você.
Celine Dion:
Sim.
Mas agora que você está tomando
conta do que você faz, você pode defender, um dia, uma causa
que você queira, sem ficar numa posição neutra.
Celine Dion:
Sim, e isso tem mudado com o tempo. Mesmo que a gente não
tenha feito grandes estudos não quer dizer que a gente não
tenha opinião e que não entenda o que está acontecendo. Se
temos a chance de estar na televisão, influenciar as pessoas
e explicar como as coisas são... por vezes o que é
difícil... É como quando a gente vai no médico. Há alguma
coisinha que não está funcionando bem. O médico faz o que
tem que fazer seriamente e nos explica, como médico, o que
nós temos. E nós temos vontade de dizer: "Será que você pode
falar normalmente? É porque eu não estou entendendo". E eu
tenho a impressão que os políticos falam com as pessoas e as
pessoas não entendem nada. As pessoas precisam que falem com
elas normalmente.
Você está por dentro de tudo o que
acontece no mundo? Você tem tempo para isso?
Celine Dion:
Eu vou gerindo o meu tempo o melhor que posso. Eu não tenho
muito. Eu não corro atrás dele, não gosto de correr. Mas,
honestamente, o que eu desejo a mim mesma é poder ter tempo.
Espero que não seja tarde demais. Espero não ter que
continuar adiando para amanhã. Maman tem 81 anos. Não posso
adiar nada. Perguntam porquê eu fui em turnê logo de seguida
[de Las Vegas]. A minha resposta é que a minha mãe tem 81
anos. Eu não posso adiar o Verão para o próximo Verão.
Então você não faz grandes
projectos para o futuro.
Celine Dion:
Digamos que tenho vontade de ter um jardim...
Mas eu vejo você em palco na frente
de 40 mil pessoas...
Celine Dion:
É difícil de imaginar.
Será que um dia você irá no seu
jardim, num final de semana, procurará o que mais ninguém
consegue ter e você tem, que é esse contacto inigualável com
um público que te segue, que é atencioso com você, que
oferece o que você mais quer, que é ser amada? É porque você
não faz isso para se sustentar.
Celine Dion:
Claro, eu poderia parar agora. Eu não preciso. Eu não vivo
para fazer dinheiro, estou fazendo dinheiro vivendo. Todo
esse amor em minha volta me leva. É um amor imenso, me leva
longe. Eu acho que todos na vida precisamos de equilíbrio.
Eu acho que ainda não o tenho. As pessoas acham, que estou
no topo da minha vitória. O que é a minha vitória? Ela é bem
diferente do que as pessoas pensam. Para mim a minha grande
vitória não é subir a escada e ter a cabeça nas nuvens. É
descer a escada sem cair, estar bem assente na terra e dizer
a mim mesma que, através de todos esses anos, todas as
pessoas em minha volta plantaram sementes para me rodear e
proteger e me esperar no fundo da escada, para ter um
equilibrio e uma vida normal
Você fala das pessoas em sua volta
mas não são assim tantas.
Celine Dion:
Não são tantas mas não preciso mais.
Há pessoas que estão em sua volta,
que protegem você e protegerão de todas as tempestades.
Celine Dion:
É difícil para essas pessoas agora que tenho vontade de
falar...
Porque agora você está tomando
conta da sua vida você mesma, você tem tomado decisões
fundamentais para a sua vida. Você teve que mudar as suas
relações com as pessoas que estavam acostumadas a tomar
decisões por você.
Celine Dion:
Sim. Muitas vezes, com o René, eu digo: "Eu quero saber" e
ele me fala "Confia em mim" mas eu digo "Não tem nada a ver.
Eu sempre confiei em você e vou confiar em você para sempre.
Eu quero apenas saber." É importante para mim me preparar
para mim mesma. Eu não quero me encontrar sozinha no meu
jardim, solitária com os meus fãs. Eu gosto muito do meu
público quando dou shows. Mas quando estou em casa, as
decisões que quero tomar para mim mesma, para o meu filho,
para os meus filhos, pela minha família... as pessoas que
têm 81 anos, as pessoas que têm 67 anos...essas pessoas que
estão à minha volta e o tempo tá passando para eles também.
81 anos é a sua mãe e 67 é o seu
marido.
Celine Dion:
Eles não vão ficar aqui eternamente. Ninguém sabe quem vai
partir primeiro. Quem sabe serei eu. Ninguém sabe.
Você pensa na morte?
Celine Dion:
Ela aparece no meu pensamento de vez em quando. Ela não me
assusta. Não tenho medo da morte. Mas quero estar pronta.
Quero me assumir, quero falar, quero estar por dentro, quero
me divertir agora. A única coisa que me assusta na morte...
é por causa do meu filho, verdadeiramente. É pelos nossos
filhos. Então, para me tranquilizar um pouco eu digo a mim
mesma que o corte do cordão umbilical não existe.
Você é uma mãe coruja, espero que
você sabia disso.
Celine Dion:
Eu confio em você, eu acredito.
Seria mais complicado ser mãe
coruja se você tivesse 14 filhos. Você é como as mulheres da
sua geração. E eu vou me incluir nessa geração, a geração
das mulheres que têm apenas um filho.
Celine Dion:
Eu desejo honestamente, desejo para nós, René e eu e ao
nosso filho, espero que a gente tenha mais uma vez a honra
de sermos abençoados e sermos pais de novo
Há pessoas que dizem que existe uma
contradição entre a maternidade e o amor. Nós vemos bem a
vida das pessoas ricas e conhecidas, é difícil assumir e
conseguir.
Celine Dion:
O que me irrita é que os jovens de hoje querem tudo mas tudo
de seguida. Casar, construir uma família, ter uma carreira,
tudo de seguida, tudo ao mesmo tempo. Eu chamo isso o
"cozinhado". É preciso estar no ponto. E quando está 35ºC lá
fora o "cozinhado" é ainda mais difícil de engolir. Por
isso... sei lá... há tantas coisas que eu quero. Mas sei
lá... a geração de hoje em dia... Bem, eu acho que tá
mudando. As pessoas querem casar, querem ter famílias... A
gente também pode ter uma carreira. Mas eu tenho a impressão
que fiz a minha carreira e depois dei lugar aos meus valores
verdadeiros. Olhando para trás, hoje em dia, parece que eu
tive tudo ao mesmo tempo mas não é verdade. A minha
prioridade agora é verdadeiramente o meu filho, o meu marido
e a minha família, mesmo continuando a cantar.
Mas você está fazendo uma world
tour. Se você estivesse na sua casa e me dissesse que a sua
prioridade era a família... Mas mesmo assim você continua a
fazer tudo ao mesmo tempo.
Celine Dion:
A minha prioridade era levar a minha mãe pelo mundo e dar ao
meu filho a chance de ver culturas diferentes. Não pensei na
cantora, pensei no filha e na mãe. Que mais poderia oferecer
à minha mãe e ao meu filho?
Céline, você é capaz de ficar
sozinha?
Celine Dion:
Sim.
Mas sozinha mesmo. Porque você tem
sempre a sua maman, as suas irmãs...
Celine Dion:
De vez em quando gosto de estar solitária, gosto muito de
ficar sozinha por uns momentos, não por muito tempo. Mas
antes eu poderia ter respondido muito mais coisas sobre
isso, poderia ter elaborado uma resposta maior sobre isso
antes de ter tido um filho. Mas tendo um filho agora... acho
que não ficarei sozinha.
Você acredita que esse seu percurso
até aqui, até aos 40 anos, é comunicável a outras pessoas?
Por outras palavras, quando chegamos aonde você chegou não
ficamos enrolados por algum tipo de solidão?
Celine Dion:
Há muitas emoções e muitas coisas que não são...
Transmissíveis?
Celine Dion:
Transmissíveis... Mesmo dizendo que sou um livro aberto, fui
obrigada a me proteger também. Mas o que é difícil é ser
capaz de criar uma carapaça transparente. Foi preciso eu me
proteger como um vidro anti-balas. Mas transparente.
É uma excelente imagem.
Celine Dion:
Só eu sei quem me proteger. Não há muita gente que tem o
código... Mas eu penso que tenho essa protecção e não confio
em muita gente e penso que sei, graças a tudo o que recebi,
que sei bem me proteger. Essa carapaça pode me seguir para o
resto da vida. Mas mesmo com essa "jaula" em minha volta, eu
consigo comunicar, a mensagem consegue passar.
Você nunca teve infância, nem
adolescência, nem uma vida de jovem: sair com uns e outros,
ter uns namorados...
Celine Dion:
Você quer saber se eu senti falta disso?
Quero saber, em retrospectiva, como
você vê isso.
Celine Dion:
Eu não posso ver porque nunca passei por isso. E o que vejo
através dos outros não me impressiona muito. Quando escuto o
sinal da escola ainda me sinto traumatizada. Eu era uma
magrela que não tinha sucesso na escola...
Você não era boa nas aulas?
Celine Dion:
Eu não era mesmo nada boa nas aulas. Eu estava sempre na
lua. Eu não tinha qualquer sentido de concentração porque eu
não gostava daquilo que estava vendo e ouvindo. Eu era muito
amada em casa. Sabe, as crianças que saem de casa, eles têm
vontade de correr para o parque porque não têm balanços em
casa. Eles vão ao encontro dos seus amigos, vão encontrar
pessoas, vão contar histórias... Mas eu ouvi as melhores
histórias em casa, eu ouvi os sinos da minha própria igreja.
Eram os meus irmãos e as minhas irmãs e os meus pais que
cantavam. Os cozinhados, os melhores que já comi na minha
vida, é a minha mãe que faz.
Se eu disser que você é uma mulher
tradicional, porque os seus valores são valores
tradicionais: a família, o único amor... sonhos que as
pessoas já perderam agora. Vivemos num mundo em ruptura.
Celine Dion:
Eu definitivamente não sou uma mulher da nova geração.
A crítica, que pode ser feroz para
você, ainda te incomoda?
Celine Dion:
Será que já me incomodou? O René sempre se ocupou da crítica
quando a crítica foi longe demais. Quando ia longe demais
ele tomava conta disso. Nunca me preocupei com contratos nem
críticas. Mas me irrita um pouco agora. René lê tudo, ele
manda vir todos os jornais no final de semana, os melhores e
os piores. Eu só vejo as fotos e fico chocada. Eu fico
chocada porque é gente que eu conheço. Não são meus amigos
mas são pessoas com quem convivo, com quem me cruzo dentro
do mesmo meio, e eu sei que não é verdade. Isso me cansa
muito. Se a gente se defende é porque temos algo a esconder
e se a gente não se defende é porque é verdade. Somos
prisioneiros.
Presos em armadilhas.
Celine Dion:
Presos em armadilhas... e acho que devíamos fazer alguma
coisa por causa disso. Sim, isso é que vende jornais mas eu
não quero vender jornais. Eu, no geral, se você reparar no
percurso da minha carreira e se você ler as críticas dos
meus shows, em geral não são boas. Mas ainda há 60 mil
pessoas ou 40 mil pessoas ou 10 mil pessoas ou 90 mil
pessoas no Stade de France duas noites, no Wembley em
Londres... e ficamos por aqui... e é a portas fechadas. Essa
é a minha crítica. E eu páro por aqui.
E se eu disser que você é uma
mulher lúcida, acho que nunca te falaram isso muitas
vezes...
Celine Dion:
Deve ser a primeira vez que escuto isso.
Você acha que corresponde ao que
você é?
Celine Dion:
Eu sou lúcida sim, espero bem. Você que me conhece bem, acha
que sou uma mulher lúcida?
Em algumas coisas você é
impenetrável. É por isso que você chegou onde chegou.
Celine Dion:
Vou ter que dar o código da minha carapaça transparente.
É a sua melhor protecção?
Celine Dion:
É preciso saber se conhecer. É preciso aprender a se
conhecer. O maior sucesso de cada um é saber se conhecer.
E você chegou aí. É por isso que
envelhecer não te assusta.
Celine Dion:
Pelo contrário. Porque quando falam em envelhecer...
Ganhar idade...
Celine Dion:
Eu prefiro falar em maturidade. Com a maturidade você não é
obrigada a gostar de tudo. Podemos dizer as coisas sem
machucar as pessoas. A maturidade é um grande presente da
vida. Há muita gente que morre jovem, que não teve a chance
de crescer. Há jovens que são velhos. E há velhos que serão
para sempre jovens. Eu acho que a minha mãe é uma jovem
eterna. E acho que eu, com 40 anos, sou lúcida com a minha
carapaça transparente, desejo a mim mesma que a minha
maturidade me mantenha jovem para a eternidade. Eu desejo
isso.
Céline Dion, obrigada por essa
entrevista.
Celine Dion:
Foi uma grande honra e um grande prazer. Obrigada.
|